Filosofia Astrológica - Os Luminares pt X - O segundo eixo celeste: O príncipe e a feiticeira.


[Sol em Touro e Lua em Escorpião]

Em um determinado reino havia um príncipe. O seu nome era Ôru. O reinado do qual ele viveu ainda existe e não está assim tão tão distante como estamos acostumados a ler e ouvir.

Ele vivia em um palácio luxuoso, cheio de paz e coisas boas. Seu sono era um dos mais adoráveis, os alimentos eram os mais naturais, saudáveis e coloridos que existiam. Suas roupas eram feitas dos mais belos tecidos do mundo  e as companhias o mimavam e lhe traziam simbólicos presentes. Ôru era correspondido no amor que desejasse e, seus atos, todos mansos e detalhados. O príncipe gostava inteiramente da sua vida abundante e fértil. Porém, ele não tolerava pessoas o traindo, quebrando a sua confiança. Para Ôru, o que mais lhe agradava era a vida estável e todos querendo o bem dele.

Seu reino era extenso e cobria grandes áreas abertas, inclusive alguns vilarejos. Eles eram habitados por gente decente e esforçada, do qual o príncipe nunca fora visitar, mas ouvia rumores que em uma dessas vilas havia uma feiticeira que possuía poderes de cura que sempre o impressionou e atiçou a curiosidade. Um dia, o príncipe indo passear em tardes mornas como sempre o fazia para aproveitar a luz solar, perdeu as horas encantado com as cores do sol se pondo. Quando ele retornava, avistou uma jovem moça um pouco distante e observou os trajes bem diferentes do que ele costumava ver e, desconfiado, se aproximou dela, perguntando o seu nome. Ela respondeu:

- Meu nome é Áipe, vossa alteza. Moro em uma das vilas que circulam o seu reino e costumo vir aqui ao crepúsculo para admirar as estrelas e as fases da lua.

Áipe sabia quem ele era, mas ele não. Ela sentia que alí havia uma grande oportunidade e que se fizesse a coisa certa, eles teriam um momento de grande sorte. Então Ôru continuou:

- Você se veste comum, mas não igual aos outros. Eu tenho escutado rumores e você me fez lembrar deles e da feiticeira que mora no vilarejo.

- Sim, eu sou ela. [...]


- Sim, eu sou ela. Nasci em uma noite de lua cheia em Escorpião. Minha avó disse que por causa dessa configuração sagrada, eu seria possuidora do contato com dimensões ocultas do mundo, inclusive dos humanos. Assim, possuo o poder da transformação. Tudo o que dói nas pessoas, eu posso curar. Mas só o faço quando elas estão dispostas a perder algo na vida delas, pois para estabilizar o amor é preciso sarar o ódio.

- Longe de mim esses seus poderes. Nada na minha vida possui ódio para eu querer perder em troca da cura. Sou um príncipe nascido sob a luz de um Sol em Touro e proprietário de muitos e ricos bens que me dão os mais agradáveis momentos. Todos desejam o que eu tenho, mas nem todos podem realizar aquilo que somente eu desejo. - Disse Ôru.

Áipe ficou olhando com curiosidade o príncipe falar. E notou que as roupas dele eram cheias de pedras preciosas, mas que já não brilhavam tanto assim depois que o sol tinha ido. A pele parecia macia e a voz era aveludada como um pêssego. Sentia que Ôru era um príncipe cheio de luxo, porém vazio de riqueza emocional. Ela disse:

- Fartura material podem até dar a vossa alteza o conforto da glória. As pessoas podem até sonhar com tudo o que a realeza usufrui, mas, por mais que pareça confuso, a vida não é só ganhar e guardar vitórias, adornando-as com sorrisos trocados. A morte anda com a vida e a vida dá as mãos para a morte. Todos nós precisamos dessa dinâmica para nos livrar dos males e pesos que o materialismo oferece.

- Não entendo o que tu dizes. - Falou o príncipe, agora se sentindo confuso e perturbado com tais informações. - A feiticeira presseguiu:

- Não entende porque estás cego com toda a vossa fertilidade. Não entende porque nunca soube o que é perder. Quando as pessoas vêem ao meu encontro para pedir cura, elas sempre carregam sentimentos como culpa, mágoa, ódio, falta de amor e desejo de vingança. Antes de eu curá-las, sempre falo que o coração precisa estar vazio de trevas para que a luz possa entrar. Dois corpos não ocupam o mesmo espaço. Mesmo que eu utilize das artes mágicas da natureza em prol delas, nada adiantará se cada uma carrega dores do passado. O desapego é ingrediente essencial do ritual. Sem ele, não há destruição da dor. E sem isso, não há regeneração do espírito e nem como fazer as pazes com a felicidade genuína.

O príncipe meditou pacientemente sobre tais palavras. Os ventos estavam sussurrando sem parar e quanto mais a luz do sol ia sumindo, mais ficava frio. Depois de um tempo se manifestou, falando:

- Eu amo as coisas ao meu redor e as pessoas que estão próximas a mim. Todas procuram me fazer bem. O que me faz mal logo logo eu desvio a atenção com experiências que trazem conforto. Não tenho tempo a perder com elas. Prefiro regozijar das riquezas que me foram dadas.

- Talvez a vossa alteza não as ame tanto assim como diz. Talvez estejas deslumbrado pelo o que as pessoas fazem por ti e não pelo o que elas são. Sim, o teu mundo físico é completo. Mas o emocional, não. Se não sabes lidar com o que lhe fere, é porque não sabes lidar com as perdas.

- É claro que eu sei perder. Eu sei sim. - Disse Ôru em um tom de razão e ansiedade.

- Então, caso um dia o teu reino venha cair, como reagirias perante a fome? - o príncipe ficou calado. Áipe o olhava diretamente enquanto falava. - Sem conforto, suas roupas cheias de delicados ornamentos rápido estragaram. A vossa alteza se sentiria seguro com tecidos simples e comuns? A falta de noites de somos revigorantes lhe trariam cansaço e tristeza. Os sons harmônicos da sua bolha de proteção são tranquilizantes, mas os ruídos do mundo lá fora causam resiliência, mesmo incomodando. A vossa alteza conhece o mundo lá fora?

O príncipe nunca imaginou um mundo fora do que ele vivia e muito menos sentir dor e viver na pobreza. As palavras de Áipe eram tanto sedutoras quanto ameaçadoras, e pelo olhar penetrante da moça, ele fora afrontado. Ele sentia que algo estava desmoronando por dentro e não tinha como evitar. Queria responder a pergunta, mas não sabia como. Ficou pensando como aquela jovem mulher tinha tanto o que lhe dizer, com tão pouco no que vestir. Enquanto que ele era abrilhantado e que isso em nada o ajudava perante a confusão que estava a mente dele. Ele estava sem paz agora.

Olhou ao seu redor e deu conta que já estava escuro. Pessoas deviam estar preocupadas com a demora do passeio rotineiro dele. Queria ouvir mais da feiticeira, mesmo que as palavras dela doessem, como já estavam. Entretanto, ele se conteve em dizer:

- Não sou mais o mesmo. Nunca pensei que as coisas pudessem ter um fim. Confio e me seguro no que conquistei e nisso estabeleço o meu mundo.

- Não há nada de errado em segurar com todo amor aquilo que se conquistou. A perdição seria em não saber lidar com as mudanças da vida. Para ganhar, é preciso perder. Uma árvore não poderá se multiplicar, senão deixar suas frutas caírem e nem permitir que nós as comêssemos. De um certo modo, quando levamos uma fruta conosco, levamos sementes de esperança também. Elas conhecem a escuridão da terra apenas para germinar. Depois, buscam a luz solar para crescerem.

- Está tarde. - disse Ôru, reflexivo. - Eu preciso ir embora. Mas antes, eu tenho uma curiosidade. Como é, de fato, o ritual de cura que você faz nas pessoas?

- A vossa alteza já sabe, pois eu iniciei um bem aqui. - Disse Áipe apontando os dedos na testa e no coração de Ôru.

Obrigado pelo seu tempo e qualquer coisa é só perguntar 🔹 Por @rd_rodolfo_

Textos publicados originalmente em 07 e 08 de maio de 2020, respectivamente.


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